Quando José Galló, de 68 anos, assumiu o cargo de diretor superintendente das
Lojas Renner, em setembro de 1991, ele se viu diante de um cenário desafiador.
Com apenas oito lojas, cerca de 800 funcionários e um valor de mercado abaixo de
US$ 1 milhão, a varejista mantinha uma gestão familiar e nem de longe figurava
entre as principais redes de moda do país. A mudança de reputação veio aos poucos
e deve-se, em grande parte, ao executivo, que ascendeu à presidência em março de
1999. Sua gestão espartana, com foco na rentabilidade dos pontos de venda,
transformou a Renner em uma empresa multinacional, líder absoluta de mercado,
com 556 unidades, mais de 20 mil funcionários e uma consistente receita de R$ 7,5
bilhões.
Em 2018, a companhia conseguiu, pela primeira vez, ultrapassar a barreira
do bilhão no lucro líquido. Embora Galló tenha muito a comemorar, as décadas
vitoriosas à frente da rede gaúcha estão prestes a receber um ponto final. No dia 18
de abril, será a vez de Fábio Adegas Faccio, 46, assumir a presidência do grupo.
Galló assumirá em abril uma posição no conselho de administração da empresa.
Na mesma época, a varejista terá eleições para a presidência do conselho e o executivo
é um dos cotados para o cargo. Uma de suas tarefas preferidas como CEO era visitar
repentinamente as lojas do grupo que, além da Renner, tem a bandeira de moda
jovem Youcom, a rede de utensílios para o lar Camicado e a recém-criada Ashua,
para mulheres plus size. Outra característica de sua gestão era a constante troca de
informações com o corpo diretivo e as reuniões motivacionais com o time de
vendas. Agora, no entanto, ele não pretende ultrapassar os limites de sua futura
função no conselho. “Um membro do conselho não pode se relacionar diretamente
com diretores. Até porque isso, em termos de governança, significa receber
informações privilegiadas”, afirma.
Presente na varejista gaúcha desde 1999, o futuro CEO Fábio Adegas Faccio
desempenha atualmente a função de diretor de produto. Ele iniciou sua trajetória
na Renner como trainee e passou, posteriormente, por diversos cargos de gerência,
diretor de lojas e diretor de operações. Antes da Renner, trabalhou na Fasica
Construtores Associados entre 1988 e 1998. Tem profundo conhecimento dos
pontos de venda e é “prata da casa” – duas características indispensáveis, na visão
de Galló, para comandar a empresa. “O índice de eficiência de quando um CEO vem
de fora não é dos maiores”, disse. “Somos uma empresa que vale mais de US$ 8
bilhões hoje. Uma companhia que sabe claramente o seu destino e a sua proposta
de valor. Por isso, é importante ter essa continuidade no modelo de gestão.”
Uma das estratégias da Renner para superar a crise foi apostar em novos mercados
e na diversificação dos negócios. Em setembro de 2017, a empresa inaugurou sua
primeira operação em Montevidéu, Uruguai. Hoje, o país já conta com sete lojas da
bandeira Renner. Segundo Galló, o desempenho na nação vizinha foi cerca de 50%
maior do que o projetado. “Nós escolhemos o Uruguai porque fica próximo ao nosso
centro de distribuição, tem uma renda per capita maior que a brasileira e hábitos
semelhantes aos da Região Sul”, explicou Galló.
Agora, a empresa decidiu competir também no mercado argentino, maior que o
uruguaio, embora castigado por uma grave crise econômica. No segundo semestre
deste ano, a Renner ganhará três unidades nas cidades de Buenos Aires e Córdoba.
“Mesmo com a crise econômica e inflacionária, é um país grande e importante para
a América Latina. A Natura, por exemplo, vende muito bem no mercado argentino”,
disse Maria Paula Cantusio, analista do BB Investimentos. “Estar no Mercosul facilita
a nossa vida no ponto de vista dos impostos e de logística. Vimos que somos
competitivos com a operação no Uruguai e resolvemos fazer uma segunda tentativa
internacional”, contou Galló.
De acordo com números do instituto de pesquisa IEMI – Inteligência de Mercado, o
varejo de vestuário faturou R$ 222,8 bilhões no País em 2018, um avanço tímido de
1,1% em relação ao ano anterior — esperava-se uma alta próxima a 3% no período.
Mas um dos segmentos que demonstra crescimento contínuo em moda é o
mercado plus size, que já movimenta mais de R$ 11 bilhões. Entre 2016 e 2018, a
evolução em receita foi de 18,96%.
Em um segmento marcado pela informalidade e pela presença massiva de pequenas
e médias empresas, a Renner viu um espaço para crescer. Inaugurou em meados de
2016 um e-commerce da marca Ashua, voltada para o público feminino, com
tamanhos que variam entre 46 e 54. A aposta no online deu certo e, em 2018, a
Ashua inaugurou suas três primeiras lojas físicas, em São Paulo e no Rio Grande do
Sul. Para este ano, o grupo prevê a abertura de mais cinco unidades. “O vestuário de
moda plus size tem um potencial enorme. Quem quer ser líder de mercado, não
pode abrir mão de atuar em nichos que podem trazer participação de mercado e
volume de vendas ao longo do tempo”, disse Marcelo Prado, diretor do IEMI.
Além das novas lojas da Ashua, a empresa deve inaugurar entre 25 e 30 novas lojas
Renner — contando com as unidades na Argentina e no Uruguai —, 9 operações da
Camicado e 10 Youcom. O capital de investimento para o ano está estimado em R$
698 milhões. Além dos novos pontos de venda, esse montante será destinado para
remodelação e reforma de unidades, sistemas tecnológicos e logísticos.
Outra bandeira que chama a atenção é a Youcom. Voltada ao público jovem, a marca foi a
que mais cresceu em receita no grupo em 2018, registrando um faturamento de R$
124,4 milhões, 44% acima do desempenho obtido no ano anterior. Seis unidades da
bandeira, no entanto, foram descontinuadas em 2018, assim como outras cinco
lojas da Renner. Segundo Galló, o potencial de vendas das operações encerradas foi
absorvido por unidades próximas, o que aumentou a rentabilidade da empresa.
O grupo também está construindo um novo centro de distribuição em São Paulo,
com aproximadamente 150 mil m² para avançar a oferta multicanal para os clientes.
Em 2018, a Renner lançou novos e-commerces das bandeiras Camicado e Youcom.
Depois, investiu na multicanalidade, integrando a operação online com as lojas
físicas. Hoje, o cliente pode comprar no site e retirar nas lojas do grupo – até pouco
tempo atrás isso não era possível. O ‘clique e retire’ já representa mais de 20% das
vendas online, que em boa parte das vezes acabam gerando novas compras no
momento da retirada. Para agilizar as filas nas lojas, a Renner também investiu em
processos de pagamento móveis.
Galló ainda não vê, no entanto, a necessidade de colocar pontos de self-checkout
nas operações. Mas a entrega de produtos a partir das lojas não está descartada no
futuro próximo. “Nós teremos radiofrequência (RFID) em todas as lojas. Isso é
necessário para se ter precisão e a curadoria dos estoques. Quando esse processo
estiver finalizado, nós vamos poder entregar a partir dos estoques das lojas”,
afirmou. Acelerar a transformação digital para o cliente deve ser o caminho da rede
para seguir com sua expansão.
Fonte: IstoÉ Dinheiro